domingo, março 08, 2009

#1 a mão do artista



Sem título (a report to an academy), 30x30cm, pasta de madeira, esponja, arame

10 comentários:

pedro disse...

gosto da subtileza da falta de contraste com o fundo ... certamente intencional (?)

cristina disse...

claro, este é um assunto invisível para quase toda a gente

Alyne disse...

Só nos destacamos do ruído (silêncio)de fundo pela luz que sobre nós incide, pela sombra que nos envolve,...

Luísa R. disse...

Li A Report for An Academy do Kafka. Impressionante. Foi a única saída possível...
Mas nunca é a liberdade.

E como relacionas a mão do artista e a assimilação do macaco e a consequente mudança de identidade?
Queres dizer que, muitas vezes, se perdem as origens, a essência, na tentativa de imitar os que o rodeiam?

Gostei do teu trabalho e obrigada por teres indicado o texto.
Como sabes, gosto muito do Kafka e "O Processo" marcou-me bastante, mas não conhecia este texto.
Mais uma vez, a vida de alguém é transformada dramaticamente, à sua revelia. São outros que decidem sobre a sua vida sem apelo nem agravo.
Mas aqui o personagem não é morto, não lhe tiram a vida.
Mas só pode sobreviver, aniquilando a sua própria identidade. É um outro tipo de morte.

Luísa R. disse...

A educação e a cultura aniquilam o instinto na criação?

(No "Um Relatório para uma Academia", o macaco já não se lembra de como era quando era verdadeiramente macaco e livre. É incapaz de se lembrar de como vivia há 5 anos, altura em que foi caçado, aprisionado pelos homens)

Terá o artista de esquecer o que entretanto aprendeu?

(Devo dizer que são 3h25 da manhã. Por isso, posso estar a dizer coisas sem nexo... Vou dormir.)

pedro disse...

malandras: cartas na manga.
vou ler o report e rever o teu trabalho ... o papel da ignorância e das TIC ;o)

Luísa R. disse...

Vai ver o mail do post da Cristina.
Todos nós recebemos um link junto com o post dela (no início do mail, entre parêntesis rectos).

E tem a ver com: «Sem título (a report to an academy)»

Bem, agora o link tambem está aqui nos comentários, claro :o)

pedro disse...

nã, nã, nã ... tava tudo escondido ;o)

cristina disse...

Bem, os bloguistas andam numa azáfama tremenda, vou tentar acompanhar as várias discussões. :-)

Quando associei a escultura à mão do artista, foi no sentido literal do termo; houve um grande envolvimento físico com o trabalho porque, como sabem, nunca trabalhei em escultura, o que significa que houve muitos avanços e recuos no processo.

Passemos agora às deduções conceptuais da Luísa e ao meu entendimento desta pérola do Kafka. Eu faço duas leituras do texto, uma muito literal e que tem a ver com a forma como -sem tentarmos entender o outro - procuramos formatá-lo à luz das nossas convicções (a História é um acumular de exemplos); e a outra tem a ver com os processos miméticos através dos quais nos adaptamos e que nos fazem sentir parte de um todo.

No meio disto ainda há o paradoxo que tem de ser respondido pela comunidade científica: nós autodenominamo-nos "humanos" e chamamos animais a um grupo enormérrimo entre a ostra e o macaco. Curiosamente, traçámos uma linha divisória entre nós e o macaco embora este seja muito mais parecido connosco do que com uma ostra... (não podemos esquecer que já houve tempo em que essa linha deixava do lado do macaco todos os não-caucasianos, as fêmeas, os deficientes, etc, etc). Ora o paradoxo é o seguinte: ou consideramos o macaco completamente diferente de nós e então é absurdo continuarmos a utilizar membros da sua espécie em experiências, ou é, de facto, semelhante e então não há nenhuma razão ética para fazermos com eles aquilo que nunca faríamos a um elemento da nossa espécie.

Quanto à questão do mimetismo, posso dar-vos dois exemplos que são para mim paradigmáticos: a peça 4'33" do John Cage e a "Fonte" do Duchamp. Estas duas peças representaram rupturas no entendimento da arte e nos parâmetros em que esta se movimentava à época, condicionando inelutavelmente o seu percurso posterior. Não deveríamos nunca esquecê-las mas estas deveriam sempre ser consideradas como gestos e não apreciadas na sua fisicalidade. Com isto quero dizer que não faz sentido ir ao Beaubourg ou a qualquer dos outros museus onde estão exibidos os urinóis/fontes apreciar a peça propriamente dita (já falámos sobre isto aqui há um tempo e por acaso nunca cheguei a saber qual foi a decisão do tribunal). Como não fez qualquer sentido para mim a BBC organizar um recital com pompa e circunstância (acho que está no Youtube), encher um auditório e transmitir pela televisão a tal peça 4'33''. Achei ridículo ver aquele público muito amestrado a guardar um silêncio reverente durante a não-actuação da orquestra, a mexer-se sonoroamente nas cadeiras no final de cada não-andamento, a rir-se quando o maestro finge que limpa o suor da testa, a aplaudir de pé o vazio de uma actuação. Todos muito satisfeitos por fazerem parte de uma elite cultural que sabe como comportar-se numa situação destas e que partilha o conhecimento desta peça. Ora eu não gosto do John Cage enquanto músico, mas tenho uma enorme reverência por ele enquanto artista e pelos riscos em que incorreu nesta acto de revolução das convenções; imaginam como me senti perante esta triste performance. O segredo desta obra foi ter sido tocada perante audiências que iam assistir a um concerto e foram confrontadas com o vazio. O verdadeiro concerto foi a tensão gerada pelo silêncio inusitado, pelo valor de cada som individual (o mexer-se na cadeira, o tossicar impaciente, o virar de cabeça para ver as outras reacções, até à pateada final).

Resumindo: acho que sim, Luísa, devemos com alguma regularidade esquecer o que aprendemos e olhar o mundo e as nossas práticas de uma forma inocente para não nos mecanizarmos em rotinas ditadas pelas certezas que vamos adquirindo ou que nos são transmitidas pelos peritos ou pelos nossos pares.

Alyne disse...

Em resumo, quando nos despimos de tudo que sabemos, resta essa descoberta no imprevisível. Corre-se riscos, que os meios electrónicos julgo proporcionarem pouco. Era isso que queria dizer com ' a fricção contra a matéria'. Aproveita o momento criativo do accidente e da crise.